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Caso Marielle: PM tem que dar resposta rápida para cessar suspeitas sobre corporação

 Anistia Internacional aponta que, entre janeiro e setembro de 2017, 62 ativistas foram mortos no país
Carro em que Marielle e Anderson estavam quando foram assassinados | Foto: divulgação

Entidades de Direitos Humanos no Brasil cobram celeridade nas investigações do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, na noite desta quarta-feira (14/3), e pedem a participação imediata do Ministério Público Estadual. Em entrevista à Ponte, representantes dessas organizações afirmam que a sensação é de que a morte da parlamentar, por si só, passa um recado claro para quem trabalha nesta área no país. Caso os autores e mandantes fiquem impunes, o recado seria ainda mais claro.

Em postagem no Facebook, a coordenadora do Observatório da Intervenção, Silvia Ramos, manifesta pesar pela morte de Marielle, que inclusive era integrante do grupo, e pediu que a Polícia Militar do Rio de Janeiro dê uma reposta rápida para que cessem as suspeita sobre a corporação. “A polícia civil deve elucidar o crime de forma exemplar. E sobretudo o comando militar da intervenção federal deve respostas à sociedade. O Rio sob intervenção tem sido o local onde mortes por violência e mortes e agressões por violência policial continuam prevalecendo. É responsabilidade dos interventores deter os crimes de ódio aos defensores de diretos”, diz a nota.

Anistia Internacional, Artigo 19, Defensoria Pública, OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e HRW (Human Rights Watch) emitiram notas de pesar e demonstraram preocupação em relação ao crime, pelo precedente que ele abre: uma perseguição aberta a quem denuncia violência policial e milita pelos direitos humanos. Não apenas com os trabalhos em busca de solucioná-lo, mas sobre o precedente aberto com o caso. “Tanto a gente e todas as pessoas que trabalham com direitos humanos no Rio, qualquer um sente o clima de profunda tristeza e certamente tem um efeito, abala, amedronta. É óbvio que as pessoas vão ficar com medo, isso é claro”, explica à Ponte César Muñoz, representante da Human Rights Watch no Brasil.

Segundo Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia, o assassinato de Marielle deixa o movimento “devastado” e é também mais um dos inúmeros golpes contra os direitos humanos no país. “Nosso relatório anual mostra que quem luta pelos direitos humanos no Brasil sofre sérios riscos, está exposto à situações como esta da Marielle. Ela, em vida e na morte, vivenciou o que está posto pra pessoas periféricas, negras, pobres e que lutam”, disse à Ponte.

No informe anual 2017/2018, a organização aponta para 62 defensores mortos entre janeiro e setembro de 2017, números do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos. A maior parte morreu em conflito por terra e recursos naturais. “Incluímos no documento, formas dessas mortes serem evitadas pelo governo”, relembra Jurema, dizendo não saber as consequências do assassinato da vereadora, mas reconhecendo temor pelo que está por vir.

A HRW enviou pedido ao procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, José Eduardo Ciotola Gussem, pra deslocar imediatamente o Gaesp (Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública) pra acompanhar as apurações do assassinato de Marielle e do motorista Anderson Pedro Gomes. É o MP quem tem a função de realizar o controle externo das polícias, seja civil ou militar, função imposta pela Constituição. Segundo os representantes das entidades, o órgão garantiria a investigação imparcial e aprofundada dos crimes.
Marielle Franco tinha 38 anos | Foto: Arquivo pessoal

Marielle havia sido nomeada relatora da Comissão na Câmara Municipal que acompanha a Intervenção Federal na segurança pública do estado. Sua atuação parlamentar era voltada pras favelas cariocas e sua realidade. Recentemente, ela denunciou ação de policiais militares que mataram duas pessoas no Acari, região norte da capital fluminense, supostamente cometido por membros do 41º batalhão. O fato da vereadora denunciar crimes praticados por policiais deve ser levado em consideração no assassinato.

“A Marielle denunciou abusos policiais, qualquer um pode olhar no Twitter e através da trajetória dela. Se foi por isso ou não que foi assassinato, tem que ser investigado”, sustenta Munoz. “Se é um precedente que antecederá outras mortes, difícil dizer. Por isso é fundamental ter investigação e que não fique impune. A impunidade, aí sim, seria um resultado horrível. Este caso passa um recado já, se ficar impune, aí é uma falha absoluta do Estado. É o Estado que tem de responder agora, com investigação e punição”, segue.

‘Mais uma tragédia diária no RJ’

As entidades destacaram a “violência sistemática contra defensores de direitos humanos no Brasil”, conforme divulgado pela Anistia 19. “Clamamos pela identificação não apenas dos pistoleiros empregados, mas dos reais mandantes desse crime, para que respondam por seus atos. Solidariedade a parentes e amigos das duas vítimas pelas inestimáveis perdas”, aponta o grupo, em discurso similar ao da Anistia Internacional, que pede investigação “rigorosa e imediata do assassinato” da vereadora.

Em nota, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro se disse “em luto” pelo fato. “O sacrifício da vereadora Marielle Franco não pode ser em vão. Além da apuração do crime e a identificação de todos os seus responsáveis, é imprescindível reforçar a proteção das pessoas que com ela trabalhavam e das comunidades cuja violência sistemática ela denunciava”, sustenta.

Presidente da OAB Nacional, Claudio Lamachia argumenta que a morte de Marielle e de Anderson são “um crime contra toda a sociedade e ofende diretamente os valores do Estado Democrático de Direito”. Segundo Lamachia, o Conselho Federal do órgão acompanhará as investigações. “O episódio triste e lamentável que é o assassinato de uma representante do povo resulta de anos de uma política de segurança equivocada, que só tem resultado em fortalecimento do crime. É hora de adotar medidas efetivas e mudar esse cenário”, diz.

Ao comentar a morte da vereadora, o presidente Michel Temer (MDB) disse que o crime é inaceitável e aproveitou para justificar a intervenção militar, decretada por ele no mês passado. “Por isso, aliás, decretamos a intervenção [no Estado], para acabar com esse banditismo desenfreado que se instalou na cidade por força das organizações criminosas”, disse. O pronunciamento aconteceu durante uma reunião com secretários da segurança pública. “Essas quadrilhas organizadas, essas organizações criminosas não matarão nosso futuro”, disse. “Nós destruiremos o banditismo antes.”

O ministro extraordinário da Segurança Pública, Raul Jungmann, foi para o Rio de Janeiro acompanhar as investigações. Para o ministro da Justiça, Torquato Jardim, morte foi uma tragédia lamentável. “Mais uma tragédia diária no Rio de Janeiro”, disse Jardim, durante o Fórum Econômico Mundial, realizado em São Paulo. Sobre os assassinos, ele declarou ir “por partes”, atuar com cuidado” pra apontar possíveis culpados, mas não considera que o crime afete a intervenção na segurança pública. Isso não põe em xeque a eficácia da intervenção federal”, garante.
Fonte: Ponte.org
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