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Suicídio de policiais. Como ajudar quem nos protege?
Por Major Aguiar
Uma das faces mais sombrias da atividade policial é morte prematura e, na maioria das vezes, violenta dos profissionais, resultado da natureza do exercício da atividade. Entretanto, a tragédia reveste-se de contornos ainda mais dramáticos quando a causa da morte não decorre diretamente da violência urbana, do confronto com marginais ou de um acidente, mas tem origem no desespero, na ausência de esperança, em um profundo conflito existencial que leva policiais a mais incompreensível das atitudes humanas, o suicídio. Infelizmente uma praga que tem atingindo com força cada vez mais avassaladora as principais corporações do país.
O mês de março foi especialmente trágico para a polícia militar em Brasília, no dia 22 dois militares da corporação cometeram suicídio em um intervalo de aproximadamente 10 horas. Entre os dois casos o fator de convergência era a profissão. A tragédia, talvez pelo curto espaço de tempo entre as mortes, chamou a atenção da sociedade brasiliense deixando evidente algo não vai bem com os que são encarregados da guarda e proteção da cidade. Aqueles que são treinados para enfrentar situações extremas não estão conseguindo encarar suas próprias dores e conflitos internos, e talvez precisem ser apoiados e socorridos pelas mesmas pessoas que juraram proteger.
De forma surpreendente, dada a rotineira apatia de nossas autoridades aos assuntos relacionados com bem-estar dos policiais, o Deputado Wasny de Roure (PT) protocolou requerimento em que solicita informações do governo sobre o alto índice de suicídio de servidores que integram os quadros da Segurança Pública do GDF. Dado o histórico da legenda do deputado quando o assunto é a Polícia Militar, fica difícil acreditar que o ato seja motivado por uma preocupação sincera com a vida dos profissionais, ainda mais em ano eleitoral. Só para lembrar o Partido dos Trabalhadores em seu caderno de teses, do 5º Congresso Nacional, cujo o tema central é o “Resgate do Petismo”, defende explicitamente a desmilitarização das PMs. Estrutura que atualmente garante, mesmo que longe do ideal, assistência médica, psiquiátrica e religiosa aos policiais. Garantias que os profissionais das policias civis, federal e rodoviária federal não dispõe. Minha esperança é estar redondamente enganado, e ser surpreendido por alguma ação efetiva de valorização da vida dos policiais, mesmo de uma fonte tão improvável.
A questão maior e mais importante é determinar o que tem levado policiais de todo país ao cometimento de atos de tamanha gravidade. A profissão policial não pode ser encarada como um serviço público comum, todas as vezes em que um policial coloca sua arma na cintura e deixa sua casa inicia-se uma jornada de real risco de morte, onde o deslocamento até o local de trabalho, antes mesmo do início do serviço, sinaliza a possibilidade de ação. Que pode ser desde o apoio em um acidente de trânsito sem vítimas até um tiroteio, onde a reação do policial pode causar resultados inesperados como, por exemplo, ferimentos e lesões em pessoas que não estão diretamente envolvidas na ocorrência. Tudo isso pode ocorrer mesmo antes da chegada do policial ao local de trabalho. E após o início do expediente o policial passa aproximadamente 12 horas envolvido com todo tipo de situação de conflito, na maioria dos casos, com violência. Afinal de contas ninguém aciona a polícia para oferecer um cafezinho em casa.
A certeza de servir a um propósito maior, de dedicar a vida a uma causa, ainda que pareça piegas ou inverossímil, sempre foi o combustível que mantém acesa a esperança daqueles que lidam com o enfrentamento da morte diariamente. Já que não existe recompensa financeira que possa ser justificativa para se arriscar a vida. Infelizmente, nas últimas décadas, forças políticas e movimentos culturais dedicaram esforços na destruição dos valores e crenças que sempre foram a base de sustentação para o exercício de atividades profissionais relacionadas com auxílio e proteção das pessoas. Certos de que a demolição dos pilares da nossa sociedade farão surgir das cinzas uma nova era utópica de harmonia e paz, o pensamento revolucionário e progressista lança às feras do desespero uma geração. Desconectados de uma razão que esteja além do imanente, não existem justificativas para um serviço de natureza mortal.
Uma manifestação evidente deste movimento é a forma como a literatura, cinema e a teledramaturgia constroem no imaginário da população figura do policial. De maneira quase hegemônica, exceções são raras e esparsas, policiais são sempre retratados como corruptos, violentos e maus. Outra forma de representação comum e a caricatura, onde o policial é sempre burro, ingênuo ou possui características físicas repulsivas. Claro que a sátira e a crítica são formas válidas e importantes de expressão. Caso existissem centenas de peças, filmes, livros e novelas onde o policial tivesse uma representação pelo menos próxima à realidade, com todas as suas contradições, não haveria nenhum problema na sátira e na crítica. Mas a massacrante desvalorização da figura e da atividade policial leva os profissionais a um sentimento de abandono, um conflito entre a sua dedicação e sacrifícios com a completa ausência de reconhecimento social de sua atividade.
É preciso ter em mente que suicídio não é apenas uma questão médica, psiquiátrica, ou emocional. Obviamente que todos os esforços devem ser usados para a manutenção e prevenção da saúde mental dos profissionais de segurança. Até porque lidam com o uso da força e da violência e devem ser capazes de tomar decisões equilibradas e técnicas, mesmo nos cenários mais adversos. Contudo, a extinção da vida como solução é questão fundamentalmente transcendente, existencial. Um sofrimento tão extremo que leva a pessoa a utilizar o recurso da autoextinção como forma de dar fim àquela dor, como se o findar sua existência fosse o fim do próprio martírio. Dessa forma, procedimentos exclusivamente técnicos e médicos nunca serão suficientes para a cura completa, já que a patologia não é exclusivamente física e mental, mas espiritual, uma ferida aberta na alma.
Encarando diariamente a morte, o sofrimento e, consequentemente, com a alma fragilizada, em toda corporação policial do mundo, sejam militares ou civis, o trabalho das capelanias é componente essencial ao suporte dos profissionais e de suas famílias. No Brasil a simples menção aos serviços religiosos é imediatamente tratado com desdém, uma inutilidade um tipo de obscurantismo que deve ser extinto o mais breve possível. Este é outro fator quer tem contribuído de forma sensível ao quadro assustador do suicídio de policiais, o enfraquecimento dos serviços de capelania. Além da desconstrução cultural da religião como forma válida de apoio e alívio do sofrimento, sobretudo quando se trata do cristianismo, não raro são utilizados artifícios jurídicos e políticos para impedir concursos para capelães ou mesmo para extinguir os serviços já existentes. Sempre sob a alegação de que vivemos sob os auspícios de um Estado laico, mas de forma proposital deixando de citar que um Estado laico não é o mesmo que um estado ateu.
Trabalhando sob condições extremas e estressantes sem reconhecimento social, tendo nas artes uma força de oposição e desconstrução de seus valores, com dificuldade de acesso aos serviços de saúde mental, enfrentando oposição violenta de forças políticas organizadas e tolhidos de forma ostensiva em seu apoio espiritual não restam aos policiais muitas saídas. Somente com a desarticulação dos movimentos revolucionários e “progressistas” será possível a retomada dos valores e princípios que alicerçam o espírito e a mente de nossos policiais. É uma guerra cultural e ideológica que só pode ser vencida com amor e busca à verdade.
O cerco montado em oposição às forças policiais faz vítimas de forma covarde, desamparando pessoas que dedicam suas vidas a uma atividade essencial ao país. Enfrentar a epidemia de suicídios vai muito além de apoiar apenas os policiais, é encarar as questões que provocam a desagregação social em todas as esferas. Os policiais que comentem suicídio são, talvez, a face mais dramática do quadro.
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