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Tribunal cria precedente para condenação de PMs na Justiça comum


POR VINICIUS SASSINE

Policial faz patrulhamento em acesso a favela no Rio 10/03/2017 - Márcia Foletto / Agência O GLOBO

BRASÍLIA — Numa primeira decisão colegiada, que já gera precedente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu enviar à Justiça comum um caso de suposto crime praticado por policial militar, mesmo com a vigência de uma lei que ampliou as possibilidades de militares — entre eles PMs — serem processados por crimes comuns na Justiça Militar. A 3ª Seção do STJ, em decisão proferida em 23 de maio deste ano, interpretou que o caso envolvendo um policial deveria ser julgado numa vara comum, uma vez que o suposto crime não teria relação com o exercício da atividade policial. Menos de um mês depois, o próprio STJ usou a decisão colegiada para remeter outro caso, envolvendo um militar do Exército, à Justiça estadual.

A lei 13.491 foi sancionada pelo presidente Michel Temer em 13 de outubro de 2017. Ela ampliou o escopo de crimes militares e permitiu, assim, que delitos comuns sejam analisados pela Justiça Militar. Inicialmente pensada para missões especiais, como as ações de segurança nos Jogos Olímpicos no Rio, a regra acabou por ser útil a militares na intervenção federal no Rio e a PMs nos estados. Entre os crimes que passaram a ser investigados pela Justiça militar — e não mais pela Justiça comum — estão tortura, ameaça, lesão corporal e abuso de autoridade.

Em reportagem publicada em 7 de maio, O GLOBO revelou que, em seis meses de vigência, uma nova lei levou a um deslocamento de mais de mil processos que antes investigavam PMs na Justiça comum, em 14 estados, e que passaram a ficar abrigados na Justiça Militar. As mudanças impostas pela lei geraram diversos conflitos de competência, parte deles remetida para decisão do STJ. Além disso, duas ações diretas de inconstitucionalidade contestam a lei no Supremo Tribunal Federal (STF).

CRIMES NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO

A legislação especifica só tem validade se os crimes forem cometidos durante o exercício da atividade militar. Mas alguns dos processos deslocados, como revelou a reportagem do GLOBO, tratam de acusações que podem evidenciar ações fora do horário de trabalho, como organização criminosa, corrupção, concussão, peculato, estupro, posse ilegal de arma e crime de trânsito. Ao decidir dois casos de conflito de competência, o STJ deixou expresso que ações fora da atividade militar devem ser julgadas pela Justiça comum. O caso analisado pela 3ª Seção do STJ envolve uma abordagem feita a um motorista por um PM fora do horário de trabalho. O motorista acusou o policial de difamação, injúria e falsa comunicação de contravenção penal, em razão de suposta perseguição em horário de folga. Outros quatro PMs foram acusados por terem, supostamente, dado apoio ao primeiro policial, que portava uma arma de fogo.

Mesmo tendo dado voz de prisão ao motorista, o PM não exercia ali uma “função de natureza militar”, conforme a decisão do STJ, “o que revela a competência da Justiça comum para o julgamento da queixa-crime”. Os ministros do STJ decidiram, então, declarar a competência da 2ª Vara Criminal de Poços de Caldas (MG), e não do Tribunal de Justiça Militar, para cuidar do caso.

No último dia 15, amparado nesta decisão colegiada, o ministro Jorge Mussi proferiu decisão semelhante. Ele analisou o caso de um militar do Exército acusado de lesão corporal dentro de um hospital universitário em Jundiaí (SP), fora do horário de serviço. O crime teria sido cometido contra seguranças quando o militar tentava visitar a filha internada no local.

“Esta Corte assentou o entendimento de que, não obstante a lei 13.491 ter ampliado a competência da Justiça militar para processar e julgar crimes também previstos na legislação penal comum, continua a exigir que a função desempenhada pelo agente militar tenha natureza militar, o que não se verifica no caso”, escreveu o ministro do STJ na decisão, que apontou a 2ª Vara Criminal de Jundiaí como foro para a análise do caso.

— A jurisprudência é que só é crime militar se for em serviço, e se ficar muito caracterizado. Toda a nossa jurisprudência é no sentido de mandar para a Justiça comum. Na 3ª Seção, a tendência é sempre essa — disse Mussi ao GLOBO.

Para a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, que opinou pela competência da Justiça comum para analisar o caso, as decisões mais “restritivas” do STJ em relação à lei 13.491 são importantes. Mas ainda há dúvidas sobre o alcance da lei, segundo ela.

— A lei continua exigindo que o ato praticado seja em função militar. Nos estados onde não há Tribunais de Justiça Militares (essas estruturas independentes só existem em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul), os próprios Tribunais de Justiça estão decidindo o que fazer — afirmou a subprocuradora.

INDEFINIÇÃO DA PGR

As decisões do STJ ganham relevância diante da indefinição da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, sobre o assunto. Há uma ação de inconstitucionalidade movida pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) contra a lei sancionada por Temer em outubro e remetida à Procuradoria Geral da República (PGR). Quase sete meses depois, Dodge não se manifestou. A ação contra a lei movida pelo PSOL aguarda um parecer da PGR desde 13 de abril. A procuradora-geral também não deu encaminhamento a um pedido formulado por colegiados da própria PGR, finalizado ainda em outubro do ano passado, para que ingresse com ação de inconstitucionalidade contra a lei sancionada por Michel Temer


Fonte: O Globo
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1 comentário

  1. Eu entendo que a mudança do ART 9° da 1001 realmente se refere aos crimes militares em horarho de serviço ou em decorrência deste, o caso do militar do Exército não teria como enquadra nisso uma vez que foi em horário de folga em um hospital que não e administrado pelas FFAA logo, crime comum

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