Bruxaria das pesquisas eleitorais
Acreditar no poder de previsão das pesquisas eleitorais é o mesmo que acreditar no poder de previsão dos analistas para a cotação do dólar no final do ano. Zero de chance de acertar. E o valor do dólar para o final do ano que vem? Zero de chance de acertar.
Como assim? Vemos nos relatórios do final do ano com pequenos e pontuais erros de analistas em relação às suas "previsões". Onde está o pulo do gato nessa história de previsão financeira?
Prezado leitor, o pulo do gato está numa técnica que tem um nome científico bem educado, que se chama "time-to-go". Desde a construção matemática da noção de sistemas dinâmicos pelo matemático Poincaré no final dos anos 1800, a busca por previsão em sistemas dinâmicos se desenvolveu absurdamente, a ponto de se prever hora e local de um furacão, da chegada de uma frente fria, ou da oscilação precisa da temperatura de uma região.
A metodologia em sistemas dinâmicos para melhorar o desempenho nas simulações se chama "time-to-go", ou seja, previsão para o restante do tempo que falta para o evento ocorrer. Significa que à medida que novas informações estão chegando sobre o sistema de medidas, os parâmetros responsáveis pelas previsões vão sendo atualizados.
Isso funciona maravilhosamente bem em sistemas dinâmicos que descrevem eventos da natureza, com precisão milimétrica, ou em milésimos de segundos nos dias atuais. É possível com sensores ultra sofisticados saber o momento exato que um avião precisará acertar sua rota para chegar ao aeroporto de destino na hora e segundos marcados.
E então, desgraçadamente, outras áreas resolveram adaptar a técnica do "time-to-go" para "prever" enventos nas áreas sociais. E ganham dinheiro com tudo isso, muito dinheiro, mesmo errando absurdamente. No caso da previsão da cotação do dólar, os analistas e suas empresas só acertam, pois semana a semana vão modificando os parâmetros de suas retas de estimação. Algumas empresas ajustam os parâmetros dia após dia, e outras ainda mais alucinadas ajustam a cada hora.
Essas empresas contratam estagiários para ficarem o tempo todo atualizando seus modelos, ou como eles gostam de falar, "rodando seus modelos" para prever a cotação. E então, na útlima senana antes do fechamento do ano, considerando um intervalo estatístico bem generoso, todos os analistas chegam bem próximos de suas previsões.
Caso o leitor não acredite, pegue as reportagens na primeira semana de janeiro e veja o que se dizia sobre o dólar para esse ano. O que os telejornais reportavam para o dólar?
Então, voltamos a afirmar que, toda essa turma tem zero chance de acertar previsão de cotação para o final do ano, em previsões acima de uma semana antes do final.
E o mesmo vale para as pesquisas eleitorais. Nada, absolutamente nada comprova o acerto das pesquisas 30 dias antes das eleições. Como essas medidas são feitas a cada 5 dias, o leitor poderá ver que os modelos de "simulação" como as empresas afirmam, são adaptados para ver como seria o segundo turno de uma eleição.
Claro, dois dias antes da eleição o acerto é razoável, mas nesse ponto, o processo conhecido como "estocástico" é perfeitamente previsível, desde que o conceito de amostragens fidedignas seja respeitado.
E por que erram?
Porque temos uma componente que em eventos da natureza não existe: o fator humano. Quando se faz uma pesquisa eleitoral, o fator humano entra em ação para amplificar aquilo que se viu, ou para redimir e reagir para que o fato não se concretize. O ato de medir algo em que um ser pensante faz parte da medição, atrapalha todo o resultado de quaqluer modelo social, ou entrevistas.
Como exemplo, tomamos os resultados disponíveis pelos dois maiores institutos de pesquisas eleitorais, datafolha e Ibope. Voltamos ao ano de 2002 na eleição presidencial, exatamente um mês e meio antes da eleição. Como pode ser visto a seguir, o datafolha no dia 16 de agosto soltou uma pesquisa onde Lula tinha 38% e Ciro 31%. José Serra, um mês e meio antes não chegaria ao segundo turno segundo o datafolha.
Naquela data, o instituto entrevistou quase 5 mil pessoas no Brasil todo. O datafolha tem ramos em todos os estados brasileiros, o que facilita uma amostragem bem feita, por extratos e aleatorizada como manda as técnicas estatísticas. O problema de acerto ou erro desses institutos em nada tem a ver com má fé, ou erro por desconhecimento de metodologias. Mas os erros que sempre acontecem são devidos ao fator humano, independente de qual instituto seja.
Por exemplo, a tabela a seguir é apresentada pelo Ibope. Como se vê, na época também o Ibope dava para o segundo turno um mês e meio antes das eleições uma disputa entre Lula e Ciro.
Para o Ibope, Lula tinha 33% e Ciro 27%. José Serra tinha 11% empatado com Garotinho. Todos os analistas já davam como certo o segundo turno entre Lula e Ciro. Os investidores da Bovespa saíram batendo forte, acreditando e induzindo o eleitor, induzindo o cidadão, que tudo seria um terror, que tudo estaria perdido e que o segundo turno seria entre as chamadas esquerdas na época.
E então, um mês e meio depois chegou as eleições. E como se pode ver ao lado, todas as pesquisas feitas um mês e meio antes, erraram.
E não erraram pouco, pelo contrário, erraram muito.
Para o segundo turno, foi Lula com 46% e Serra com 23%. E o Ciro Gomes que vinha em segundo lugar um mês e meio antes?
Pois é, Ciro Gomes ficou em quarto lugar, atrás até mesmo de Garotinho que subiu para 17%.
E lembra dos tais 11%? Pois bem, ficaram com Ciro Gomes. E de que adiantou todos os jornalistas colocarem medo na população, de que adiantou os investidores provocarem a quedas das ações?
Eles ganharam com essa brincadeira de pesquisas, pois apostaram em dólar, no mercado de Opções ou no mercado Futuro da Bovespa.
O cidadão comum só amargou desemprego, estresse e inflação. As pesquisas ... erraram longe. Mas devido ao "time-to-go", um dia antes elas acertaram na boca de urna e se gabaram muito por isso.
Está bem, faz muito tempo, as técnicas melhoraram, os institutos melhoraram e esse tipo de coisa não ocorre mais.
Nada disso!
A Estatística é uma disciplina antiga, na época do Império Romano já se usava estatísticas para evitar de gastar dinheiro com o censo.
Nos anos 1700 e 1800 as técnicas evoluíram graças aos irmãos Bernoulli que desenvolveram a teoria das probabilidades e a Gauss, que desenvolveu a curva Normal ou "curva de sino".
No século XX graças aos computadores, as fórmulas ficaram mais rápidas de serem utilizadas, métodos de estimações se desenvolveram bastante com base em modelos, mas o fundamental de tudo é: amostragem.
E isso nunca muda, em qualquer século.
Se a amostragem foi bem feita, o resultado é confiável, caso contrário, nenhuma tecnologia resolve.
E em termos de pesquisas eleitorias, ainda continua valendo a máxima de que elas mais direcionam o voto do eleitor, do que "captam" ou "fotografam" a intenção de voto.
Com base em pesquisas, muitos ajudam a empurrar ou derrubar a campanha de um candidato. E o fator humano, vai sempre estragar qualquer resultado de previsão, hoje, e sempre.
Pelo menos enquanto somos seres pensantes, o que já está em fase de declínio.
E para provar que nada mudou, tomamos as pesquisas de intenção de votos para presidente em 2014 também do datafolha e do Ibope.
E buscamos o "time-to-go" de cerca de um mês antes da eleição em 2014 ( no datafolha a pesquisa ao lado é do dia 9 de setembro). No primeiro gráfico acima, é apresentado o histórico das pesquisas eleitorais do datafolha.
O segundo turno era quase certo entre Dilma Roussef com 29% e Marina com 24%. Aécio Neves na época estava estagnado com 10%. Para os jornalistas da época, já estava decidido e o segundo turno seria entre Dilma e Marina.
E para o Ibope, também em concordância com o datafolha, o segundo turno seria entre Dilma (39%) e Marina (31%). Aécio não tinha a menor chance, diziam os jornalistas, com apenas 15% das intenções de votos
Pois é ... todos erraram.
O segundo turno foi entre Dilma e Aécio! Os tais 15% de Aécio viraram 33%. Como explicar erro tão grande para os dois maiores e mais bem pagos institutos e pesquisas? Seus diretores foram aos principais jornais justificarem que acertaram a boca de urna, com erro mínimo. O que é verdade. O erro de boca de urna foi quase nulo, mas aí o jogo já tinha terminado.
A proposta que esses institutos vendem (e recebem em montante bem volumoso de dinheiro) é que eles captam a fotografia do momento, a intenção momentânea. No caso de Marina disseram que a culpa foi da campanha maldosa que fizeram contra ela. Mas isso faz parte do jogo. Nos EUA é ainda mais feia esse tipo de campanha e todos os tomam como "exemplos" de democracia.
O fato é que, quando se tem 25% de indecisos, como é o caso atual, podemos jogar fora tudo o que está sendo dito das pesquisas. Com 1/4 da população sem decisão formada há apenas um mês da eleição, a chance de tudo ser diferente é enorme. E estatísticamente será.
O fato de se ver frente a frente com o que os outros vão fazer, tanto faz os indecisos ou mesmo aqueles que já decidiram, somente será válido e certo aquilo que a pessoa apertar de tecla no dia da eleição.
Hoje temos um cenário, que devido ao "time-to-go" vai afunilar para uma certeza. Quem ganha hoje são os maldosos do mercado financeiro que sempre fazem isso nas eleições dando indicativos de qual candidato eles querem. Mas essas pessoas são tão mal-intencionadas, que mesmo o outro ganhando, se ele se vender para os diabos do mercado, tudo se reverte em apoio.
Na eleição passada, um mês antes, os institutos e suas pesquisas estavam totalmente errados sobre o segundo turno. E se olharmos com cuidado, o número de quem ia votar em branco/ nulo era de apenas 13% no Ibope e de 6% no datafolha. E no dia da eleição as pesquisas mostraram empate técnico.
Novamente, isso não tem nada a ver com erros de técnicas dos institutos. Mas tem a ver com baixo poder de previsão de pesquisas onde o objeto pesquisado (nós hunanos) tem o poder de mudar a própria pesquisa. Sendo assim, as pesquisas eleitorais nada diferem do que dizem as cartomantes ou bruxas medievais.
Uma mulher que previa o que aconteceria na idade média era vista como bruxa. E muitas delas acertavam em suas bruxarias, mas eram queimadas. Pobres mulheres, nasceram em época errada. Hoje seriam milionárias, com previsões de eleições ou analistas para prever quanto será a cotação do dólar no final de 2019.
Vote nas propostas que mais lhe agradam e não nas propostas que dizem as pesquisas, porque essas mudam, mas sua índole como ser humano não, pensando sempre no bem, sempre em olhar o próximo não como um número do banco central, não como mais uma estatística, mas um humano no centro de todos nós.
Fonte: http://www.mudancasabruptas.com.br/BruxariaEleitoral.html
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