Entenda quando uma mensagem de aplicativo pode ser considerada criminosa
Ismail de Lemos Maciel enviou o conteúdo para reclamar de uma multa que teria recebido por causa do trabalho não realizado por um biólogo, que participa do mesmo grupo com outros 50 integrantes.
O biólogo explicou que foi contratado para executar atividades de Recuperação de Áreas Degradadas em um terreno de Ismail na Grande Florianópolis, mas que foi dispensado. Posteriormente, o proprietário foi multado por órgãos ambientais.
Os autos registram que Ismail acusou nos áudios o homem de ter roubado R$ 50 mil ‘e que era mercenário, safado, sem vergonha, corrupto, entre outros impropérios’.
Em um último áudio, ‘o réu corrobora que divulgou a mensagem no grupo de WhatsApp porque a situação deveria ser abordada publicamente’, como aponta a sentença.
Um membro do grupo chegou a dizer que aquela discussão não deveria ocorrer no grupo.
O juiz entendeu que, mesmo havendo desentendimento entre os dois, o proprietário ‘agiu de maneira desproporcional, expondo o autor [do processo] a grave ofensa à sua dignidade e honra subjetiva’.
A sentença impôs indenização de R$ 5 mil por danos morais. Cabe recurso.
O Estadão consultou o presidente da Comissão de Direito Digital da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em São Paulo, Spencer Toth Sydow, para saber o que pode ser considerado crime no meio digital e como denunciar casos semelhantes.
Spencer Sydow Foto: Acervo Pessoal
ESTADÃO: Que tipo de conteúdo transmitido em aplicativos de mensagens e outros meios digitais pode ser considerado ofensivo?
ADVOGADO SPENCER TOTH SYDOW: É importante, primeiro, definir os tipos de crime mais comuns no meio informático. A difamação é o delito que vai dizer que, independentemente de ser no meio informático ou não, no momento em que você ofende a honra objetiva de uma pessoa a ponto de atingir uma terceira pessoa, isso já configura o delito. O que é a honra objetiva? São aqueles valores que compõem os valores socialmente aceitos. Então, toda vez que eu penso na sua honra objetiva, eu penso na sua boa fama, na sua honestidade, na sua lisura, na sua palavra e na sua reputação. Se esses elementos podem macular sua imagem e forem revelados em público, configura ofensa à honra objetiva. Mesmo que aquele fato seja realmente verdade, falar aquilo em uma situação em que um terceiro está envolvido já configura um delito de difamação.
Quando a conversa se dá entre duas pessoas, o único delito contra a honra que pode ser identificado é o delito de injúria. A injúria é um delito que atinge a honra subjetiva, ou seja, não importa o que a sociedade pensa de mim, importa o que eu penso de mim e o quanto aquilo me afetou pessoalmente.
O que o meio informático faz acontecer: toda vez que você se utilizar de um mecanismo comunicativo que soma mais de uma ou duas pessoas em uma relação, qualquer ofensa nesse meio pode configurar difamação. Toda vez que você uma página pública e houver uma afirmativa que ofenda a honra objetiva de alguém, certamente isso também poderia configurar difamação. Se eu compartilho uma postagem na minha rede social ou envio uma mensagem que ofende a honra objetiva de alguém, mesmo que eu não seja o autor do conteúdo, eu também sou praticante de um delito de difamação.
ESTADÃO: Como denunciar casos de injúria ou difamação em aplicativos e redes sociais?
SPENCER TOTH SYDOW: Independemente de levar prints ou áudios, esses elementos informáticos são questionáveis em sua veracidade, porque existe a possibilidade de manipulação de conversas. Então, o que a pessoa deve fazer? Duas coisas são possíveis: a primeira é notarizar a tela, ou seja, ir até um tabelião, em um cartório, e pedir a notarização daquela conversa de WhatsApp. O tabelião vai reportar em uma ata notarial o que ele identificou e vai escrever. A segunda prova é através da contratação de um perito, que vai certificar a autenticidade dessa conversa. Caso a pessoa seja ofendida desse modo [em conversas de aplicativo], é um crime de ação penal privada, ou seja, ela vai precisar de um advogado ou de um defensor público para dar andamento nessa ação. Ela pode registrar um boletim de ocorrência na delegacia, mas ele não vai andar se não houver um advogado para propor uma queixa-crime. Isso é importante porque, quando uma prova mal constituída entra no processo, normalmente é questionada e invalidada. É preciso compor esse elemento informático da forma mais prudente possível.
ESTADÃO: Em geral, difamações ocorridas por meio digital possuem penas maiores do que por outros meios?
SPENCER TOTH SYDOW: Costumam ser penas maiores, porque o próprio capítulo [do Código Penal] que trata dos crimes contra a honra diz que vai haver um agravamento da pena se a pessoa se utilizar de mecanismo que facilite a disseminação dessa ofensa. Mas, infelizmente, o Código Penal ainda não possui uma agravante específica para o uso de internet.
ESTADÃO: Quais são os crimes mais comuns nos meios informáticos?
SPENCER TOTH SYDOW: É comum haver difamação, injúria, e exposição pornográfica não consentida. A exposição pornográfica, quando há divulgação de fotos e vídeos íntimos, por exemplo, é considerada um crime contra a dignidade sexual.
COM A PALAVRA, A DEFESA DE ISMAIL MACIEL
O advogado Marcello Costa Filho afirma que vai entrar com recurso contra a condenação de Ismail Maciel.
‘Vamos buscar reverter essa decisão. Foi apenas uma discussão em um grupo de futebol, travada no calor do momento, com um número restrito de pessoas. A ofensa se deu em âmbito particular, e não em ambiente público, como no Facebook, onde todos podem ter acesso. Além disso, houve retratação imediata do meu cliente, que pediu desculpas’.
Luísa Laval
Fonte: Estadão
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