PMERJ
Cel Montenegro - O Sangue Azul dos Policiais do Rio de Janeiro
O Cel R1 EB Fernando Montenegro analisa questões fundamentais relacionadas às ações policiais do RJ
Coronel Fernando Montenegro
Veterano das Operações Especiais do Exército Brasileiro, Comandou a Força Tarefa Sampaio na Ocupação dos Complexos do Alemão e da Penha, Auditor do Curso de Defesa de Portugal, Doutorando em Relações Internacionais na Universidade Autônoma de Lisboa
Num contexto de ser empregado em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), eu tenho acompanhado de perto o cenário do Rio de Janeiro desde a ECO 92. No Brasil, quando se fala de guerra assimétrica, uma das primeiras imagens que vêm à cabeça das pessoas é a do Rio de Janeiro, em que ocorrem em média onze confrontos diários envolvendo disparos de fuzil. É um ambiente cheio de contrastes, onde bairros considerados nobres como Ipanema e Copacabana, possuem no seu interior um conjunto de favelas Cantagalo-Pavão-Pavãozinho, por exemplo.
O Rio de Janeiro é a cidade mais famosa do Brasil no exterior e precisa continuar sendo um ima de turismo pelas suas belezas naturais, clima privilegiado e alegria da população. Entretanto, em qualquer lugar que seja o bairro, a sensação de segurança pode ser substituída por medo ao se dobrar qualquer esquina e isso prejudica muito a percepção de quem cogita a hipótese de visitar a terra do samba.
Essas particularidades do cenário acarretam peculiaridades para as operações na região metropolitana. Como carioca, não é com nenhuma satisfação, que eu constato que a minha cidade provavelmente é a única do mundo que possui frequentemente grupos de cem criminosos armados de fuzil se deslocando pelo asfalto para realizar tomada de territórios de facções rivais e, curiosamente, não é considerada um território em guerra.
As principais modalidades de organizações criminosas que têm sido exportadas para os outros estados da federação são as milícias e os narcotraficantes. Logicamente, esses confrontos entre gangs atingem muito a população e os profissionais de segurança pública, que também conduzem operações de combate às facções criminosas. Quando eu me refiro aos profissionais da segurança, eu falo de vitimização policial.
Vou usar um exemplo real que tive oportunidade de vivenciar de perto. Após novembro de 2010, por ocasião da cinematográfica operação de invasão da Vila Cruzeiro pelo BOPE RJ, com o apoio logístico dos blindados na Marinha, nós do Exército Brasileiro permanecemos ocupando os Complexos do Alemão e da Penha por 19 meses, dormíamos e conduzíamos patrulhas lá como se estivéssemos no Haiti. Naquela oportunidade, foi realizado um enorme esforço em que, cerca de dois mil militares eram empenhados permanentemente, envolvendo operações e logística.
Além disso, havia um efetivo de setenta policiais militares e foi criada uma delegacia especial de Polícia Civil que funcionava no interior da base da Força de Pacificação. As equipes do Exército que operavam no terreno tinham efetivo aproximado de dez militares e eram híbridas, portando fuzil (5,56mm) ou calibre .12 com balas de borracha. A criminalidade caíu bastante e atingiu índices inéditos até julho de 2012.
Por ocasião do retorno da área de operações para a responsabilidade do estado do Rio de Janeiro, os policiais que nos substituíram foram submetidos a condições que inviabilizavam o cumprimento da missão com o mesmo desempenho. A começar pelas absurdas instalações improvisadas que o Governo do estado do Rio de Janeiro disponibilizou para serem ocupadas por eles; contêineres que não protegiam de disparos de armas de fogo eram localizados no meio das comunidades.
Esses eram os lugares que os policiais dispunham para realizar suas atividades administrativas, fazer a higiene pessoal, descansar e guardar o armamento. Outro fato que me chamou a atenção era a precariedade de viaturas para socorrer policiais feridos em confrontos.
Também causou estranheza que na época que a grande maioria dos policiais era recém-egressa de cursos de formação, com nenhuma experiência e confessavam ter realizado pouquíssimos disparos nos treinamento com as armas. Como se não bastasse isso, o número de fuzis disponibilizados era muito inferior ao nosso e a estrutura de apoio à manutenção era praticamente inexistente.
Ficou nítida para nós, naquela época, a deficiência da logística de manutenção de armamentos e viaturas das corporações policiais, o que tem reflexo direto na capacidade operacional. Fui testemunha ocular, durante os três meses finais da transição, em que recebemos policiais trazendo fuzis e pistolas em péssimo estado de manutenção nos solicitando apoio em várias coisas como desentupimento de canos ou peças de reposição, o que atendíamos quase sempre. Mas a percepção de que o mais alto nível político do poder executivo do estado não estava realmente preocupado com quem está na ponta da linha veio quando soubemos que, cada policial recebia apenas um carregador com dez cartuchos de munição de fuzil para cumprir missões de patrulhamento nos Complexos do Alemão e da Penha.
Policial do 41º BPM retira barricadas (17FEV2020) colocadas no interior da comunidade Parque Esperança. Criminosos tentam criar "NoGo Zones" dentro do Rio de Janeiro. @pmerj
Dessa forma, após a saída do Exército, não fiquei surpreso ao ver a perda gradativa de controle da região para o Comando Vermelho e o aumento dos números de enfrentamentos, gerando vitimização policial simplesmente por estarem patrulhando a sua região de responsabilidade. Por outro lado, alguns injustificáveis desvios de conduta policial, como o caso do Amarildo, foram exaustivamente explorados pelos segmentos da sociedade que tradicionalmente fazem tudo para desgastar a imagem da corporação, prejudicando a reputação da maioria dos policiais.
Some-se a isso o péssimo exemplo moral e ético oriundo do mais alto escalão dos três poderes do estado do Rio de Janeiro e não fica difícil entender que o contexto apenas potencializa a criminalidade de diferentes matizes e transmite uma ideia de impunidade generalizada.
Em relação à gestão, com os recursos que entraram no Rio de Janeiro desde 2007, por ocasião do início da “Era dos Mega Eventos”, podemos ter certeza que nunca na história um estado recebeu tantos recursos externos sob o pretexto de sediar os Jogos Pan-americanos 2007, V Jogos Mundiais Militares Rio 2011, Copa do Mundo 2016, Rio +20, Jornada Mundial da Juventude, Rio 2016 além de inúmeros outros.
Os resultados dos desvios dos maciços investimentos no Rio podem ser deduzidos nos superfaturamentos de inúmeras obras com dispensa de licitação que serviram para enriquecer o crime institucionalizado descortinado pela Operação Lava Jato e financiar campanhas de políticos inescrupulosos.
Quando se observa que, os últimos quatro governadores do estado foram presos e condenados por crimes de corrupção, sendo que, cada um deles permaneceu por dois mandatos consecutivos, identifica-se que o problema é muito maior do que parece. Na minha leitura, a maioria dos cidadãos fluminenses comete suicídio eleitoral a cada dois anos. Enquanto isso, o efetivo da Polícia do estado do Rio de Janeiro, não acompanha o crescimento das demandas de policiamento.
Acredito que a vitimização policial nos últimos dez anos poderia ter sido muito menor se, com a quantidade de investimentos que foram realizados no Rio de Janeiro por contados eventos mencionados, as melhorias das condições de trabalho dos policiais do Rio de Janeiro poderiam ter sido muito melhores. A começar pela construção de Unidades de Polícia Pacificadora com instalações fortificadas e vidros a prova de bala, armamentos novos, construção de uma infraestrutura mais robusta de manutenção de armas, viaturas blindadas, munição para treinamento, dentre outros.
Infelizmente, grande parte da narrativa carioca está dominada por grupos que promovem discurso de ódio e rejeição às corporações que estão na linha de frente para proteger a sociedade da violência. É uma narrativa impregnada de ideologias e que serve para favorecer apenas um pequeno grupo de pessoas que têm grande ascendência nos meios de comunicação de massa desde os anos 1960, mas o surgimento das redes sociais começou a desequilibrar essa supremacia de narrativa que não permitia contraponto.
Felizmente, verifico que, como consequência da Intervenção federal na segurança pública no estado do Rio de Janeiro, uma enorme quantidade de equipamentos foi adquirida e muita coisa foi recuperada. Com isso, alguns indicadores atingidos merecem destaque, como a redução significativa da vitimização policial e o aumento nas apreensões de armas são alguns deles.
Em relação ao aumento da letalidade policial em confrontos, quero registrar que todo criminoso tem a opção e a obrigação de se render e entregar as armas por ocasião da chegada da força policial, podendo abandonar essa opção antes mesmo disso, sendo o bandido o principal responsável pela própria morte.
Também vale destacar a evolução de algumas boas práticas desenvolvidas pelos colegas da PMERJ que reduzem os riscos dos policiais. Uma delas é a criação do Estágio de Aplicações Táticas, em que o jovem policial aprende as técnicas, táticas e procedimentos básicos da atividade de patrulha policial empregando os equipamentos e armamentos disponíveis na corporação. Também vale destacar a pró- atividade na elaboração do conceito de “percurso seguro”, onde se distribui os policiais nos lugares e períodos críticos em que exatamente ocorre não só o deslocamento de policiais para o serviço, mas atende à população daquelas regiões.
Outra ação importante é o funcionamento de uma estrutura de apoio a policiais feridos e vitimados e suas famílias. Nas Forças Armadas também existe um tipo de estrutura que é desdobrada em tempos de guerra ou em missões de paz com essa finalidade; acho que valeria a pena os policiais verificarem quais ideias poderiam ser aproveitadas no aperfeiçoamento desse processo doloroso que envolve identificação, funeral, enterro, documentação, tratamentos diversos, fisioterapia, pagamento de seguros, dentre outros aspectos.
Por fim, a redução da vitimização policial é uma vitória parcial, que não merece ser comemorada porque os óbices que prosseguem ocorrendo são o evento mais triste e de maior prioridade para cada uma das famílias que continuam a ser atingidas por esse flagelo. Essa é a realidade da minha cidade, em que se convive com a guerra diariamente, cenário de difícil convivência, inclusive no campo das ideias.
DefesaNet
Via
PMERJ
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