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Artigo: Os vilões da quarentena e o colapso da segurança pública

Como governantes querem usar as polícias militares e diversos fatores que podem colapsar a segurança pública do Brasil
Com o agravamento da crise decorrente da pandemia do COVID-19 as principais autoridades do país têm levantado a necessidade de intensificar as medidas relativas ao isolamento social das pessoas. Entretanto, governadores e prefeitos não estão dispostos, nem tem a disponibilidade, para pessoalmente ir de porta em porta cercear a liberdade de comerciantes e cidadãos em geral. Para aplicar suas medidas draconianas as autoridades terão de fazer uso da única força coercitiva disponível, as polícias militares. A utilização das forças públicas como instrumento de imposição da autoridade executiva de forma arbitraria fará dos profissionais da segurança pública os vilões da quarentena.
O maior problema das medidas restritivas das liberdades individuais é saber até que ponto são ações realmente necessárias à proteção da população ou meras estratégias para captação de capital político, tendo como panorama as eleições municipais. A oposição entre as posturas do isolamento total, para conter velocidade de expansão da doença, versus limitação parcial, com o objetivo de manter a economia em funcionamento, parece mais uma disputa política do que estratégias reais para enfrentamento da situação. Não importa qual a postura adotada na briga entre o mar e o rochedo o marisco é quem sofre, no caso os moluscos são os policiais que têm a ingrata função de fazer cumprir as leis.


Policiais Militares do Rio de Janeiro em ação de prevenção ao Corona Vírus

O poder judiciário também não se exime em ser mais um fator de pressão na crise, combatendo o incêndio com jatos de gasolina. Ao mesmo tempo em que entidades da justiça carioca defendem abertamente o isolamento total da população[1], os tribunais paulistas não se constrangem em colocar nas ruas mais de 1200 marginais[2].  Conforme os mais cautelosos profetas da COVID-19, nos presídios, a população carcerária estaria totalmente isolada e, segundo a “doutrina” epidemiológica dominante, protegida da peste. Mas coerência e racionalidade não são características relevantes nas esferas estatais nacionais, não importando muito a qual poder republicano estejam subordinadas. Assim, os presos seguem soltos. Talvez atendendo o clamor dos detentos que ao serem informados de que as visitas e saidinhas seriam interrompidas fugiram dos estabelecimentos prisionais[3].
Como posicionamento do isolamento horizontal tem sido predominante no país, os profissionais de segurança pública têm observado, nas ruas, as consequências da política adotada. A tranquilidade aparente das cidades desertas guarda uma realidade preocupante e cruel, a mais de 15 dias sem trabalho, lazer e convívio social a pressão sobre as famílias tem crescido. Não há como negar que a economia informal tem um papel muito importante na dinâmica econômica do país, atualmente são mais de 24 milhões de brasileiros sobrevivendo desta modalidade de negócio[4]. E não estamos colocando na conta as pequenas empresas, com CNPJ, mas que também estão fechadas. A situação é ainda mais dramática quando se trata de comunidades, mais pobres, periféricas, onde vendedores ambulantes, diaristas, camelôs, motoristas de aplicativos, quiosques de lanches, mototáxis entre outras atividades formam a base de sustentação econômica. Estas pessoas não recebem salários mensais, só tem dinheiro nas mãos se trabalham, os dias parados significam ausência de renda. Sem a renda destas pessoas até as empresas maiores, como supermercados, ou de produtos essenciais, como farmácias e postos de combustível, entram em uma espiral de decadência.  E no Brasil apenas 11% das empresas tem capital de giro para manter as atividades por mais de 30 dias em razão da crise do corona vírus[5].
Todos estes fatores terão um reflexo direto no calcanhar de Aquiles do país, a segurança pública. Apesar dos avanços recentes conquistados no último ano, redução de 20% dos homicídios[6]. Decorrente da mudança de postura no enfrentamento ao crime adotada pelo atual governo, ainda convivemos com números assustadores e esta crise adiciona mais calor ao caldeirão que já está fervendo. A escassez de recursos também coloca em xeque os criminosos, que tem a renda diminuída. A ausência de pessoas nas ruas e a diminuição da circulação de bens e mercadorias obriga os marginais a buscar novas fontes de receitas. O que significa migração do crime para onde estão as pessoas, e o que restou do dinheiro. Mesmo o tráfico de drogas, negocio aparentemente imune a crises, perde receita uma vez que os usuários, fora das ruas e sem dinheiro, não podem adquirir os entorpecentes.


Policia de Nova York, 11% do efetivo comprometido

A pressão econômica pode levar ao desespero e transformar um cidadão de bem em um potencial criminoso. Porque se chegarmos ao ponto de faltar comida na mesa das pessoas e/ou desabastecimento de produtos básicos, podemos enfrentar situações de saques e distúrbios civis graves. Estudo publicado pela ABEP (Associação Brasileira de Estudos Populacionais) coloca o crime como um dos indicadores multidimensionais que devem ser avaliados para análise da pobreza, colocando o crime, fundamentalmente as ações violentas contra pessoa, como fator diretamente relacionado a pobreza e a violência.[7]
Um dado que ninguém está computando na equação do COVID-19 é a exposição dos policiais militares a infecção. Fator que pode ter um grande impacto não apenas na manutenção das políticas governamentais para tratar da crise, mas na missão fundamental das forças, combate ao crime e imposição da lei. A polícia de Nova York, com efetivo de 36 mil policiais, está com 11% de seu contingente baixado em razão de problemas de saúde, são 4.111 policiais. Destes 500 já tem o diagnóstico para o COVID-19, cerca de 3000 apresentam sintomas de gripe e uma morte pelo vírus foi confirmada.[8]  Os policiais estão nas ruas todos os dias, contato direto com a população, ajudando no socorro de pessoas doentes e, dependendo da situação, entrando em luta corporal para imobilizar e prender pessoas portadoras do vírus. Além disso, como são referência para população, os policiais em serviço ostensivo, são procurados para atendimento de todo tipo de emergência e para resolução de conflitos, o que faz com que os profissionais estejam todo tempo em contato direto com muitas pessoas tornando-os mais expostos a infecção. Entre os militares estaduais brasileiros a COVID-19 já começou a produzir baixas, a 1ª sargento Magali Garcia, da Polícia Militar do Estado de São Paulo, tinha 46 anos e trabalhava no Centro de Operações da PM (Copom) foi a primeira vítima fatal da doença pertencente a uma corporação militar no país.[9]


1ª sargento Magali Garcia, da Polícia Militar do Estado de São Paulo, primeira policial militar morta com COVI

A natureza dos atendimentos torna os equipamentos de proteção individual, para o COVID-19, ineficientes já que luvas de látex, mascaras descartáveis são equipamentos frágeis e que dificilmente sobrevivem a uma abordagem policial onde, por exemplo, o cidadão ofereça um grau de resistência a ação, mesmo que moderado. Estar nas ruas dificulta a adoção de medidas preventivas como, lavar as mãos várias vezes ao dia, evitar aproximação de pessoas ou aglomerações ou mesmo passar álcool gel (produto em falta na maioria dos estabelecimentos).
Os policiais militares acabam soterrados por uma avalanche de fatores que dificultam a ação das instituições. Planejar medidas de contingência é emergencial e estar preparado para o pior é a única maneira de garantir que passaremos por esta crise sem maiores sequelas. Os gestores da segurança pública precisam estar atentos aos diversos vetores que podem transformar esta pandemia em um colapso social e orientar seus efetivos a atuarem com cautela, dentro do planejamento cuidadosos. Evitar ações isoladas, que possam funcionar como estopim para violência e, sobretudo, manter as ações policiais a mais profissional e técnica possível.
Ao avaliar este quadro o desafio dos comandantes será impedir o uso político de suas tropas, ser firmes nas ações legais determinadas pelas autoridades competentes e manter os policiais aptos para o serviço, impedindo que nossas corporações policiais se tornem o vilão da pandemia.  




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