24 C
pt-BR

Artigo: Os policiais e a Covid-19


Levantamento inédito da FGV e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que policiais não se sentem preparados para atuar no combate ao novo coronavírus. Faltam equipamentos, treinamento e, principalmente, atenção dos governantes
PM realiza operação em favela do RJ em meio à pandemia da Covid-19 


Por realizarem um serviço essencial na sociedade, assim como médicos e enfermeiros, policiais estão na linha de frente da pandemia do coronavírus no Brasil. Mas, diferentemente dos profissionais da saúde, pouco se tem falado do impacto do vírus nas forças policiais. Pesquisa inédita em uma parceria entre Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Fundação Getulio Vargas buscou analisar os efeitos da pandemia no cotidiano dos policiais Brasileiros.

Por questões de amostragem e também pelo fato de São Paulo ser o epicentro da pandemia, foi feita uma comparação entre a situação dos policiais de São Paulo com a dos policiais das demais Unidades de Federação. O primeiro dado que chama a atenção é o fato de que em São Paulo 46% dos policiais declaram que receberam Equipamentos de Proteção Individual (EPI), tais como máscara, álcool gel e luvas. O número é ainda menor nos demais estados (32,1%). 

Juntando-se ao baixo fornecimento de equipamentos de segurança, o estudo mostra que em São Paulo apenas 34% dos policiais declaram que receberam algum tipo de treinamento para atuarem na pandemia. Mesmo baixo, o dado é muito maior do que o que informaram os policiais de outras unidades da federação onda apenas 15,4% dos policiais declaram ter recebido treinamento para esta nova realidade.

Além disso, mais de 50% dos policiais não se sentem preparados ou não sabem responder se estão preparados para lidar com a pandemia nas demais unidades da federação ao passo que 39,2% dos policiais paulistas se sentem preparados para lidar com a pandemia. Chama a atenção, ainda, que a maioria dos policiais tem conhecidos ou familiares que se contaminaram e pouco mais da metade de policiais de São Paulo e 40,8% dos policiais das demais unidades da federação têm um colega que foi testado positivo ou está com suspeita de estar com a Covid-19.

Estes números são extremamente preocupantes e significam que uma grande quantidade de nossos policiais pode ser contaminada pela Covid-19. Em conjunto, eles significam que os policiais brasileiros estão recebendo menos equipamentos e menos treinamento do que o desejado, além de estarem muito expostos ao vírus não apenas no trabalho, mas também em suas relações sociais próximas. O perigo aqui é que policiais levem o vírus do trabalho para as suas famílias e das suas famílias para as suas instituições.

A consequência direta é colocar os policiais em uma situação de alta vulnerabilidade diante do vírus. Tal vulnerabilidade pode implicar uma limitação da capacidade de atuação das policiais, em especial das forças policiais com efetivo com maior idade e comorbidades. Na prática, a falta da distribuição de EPIs em larga escala e de treinamentos específicos pode fazer com que as nossas polícias enfrentem muitas baixas.

Com isso, as polícias podem ter muita dificuldade tanto de implementar medidas de isolamento social mais duras, em lugares onde elas sejam necessárias, e terem mais dificuldades para dar respostas a crimes tanto durante como depois da pandemia. A alta vitimização de policiais brasileiros pode ficar ainda pior com o vírus, especialmente porque boa parte dos policiais não possuem acesso a cuidados de saúde adequados.

Diante do quadro, esta pesquisa deve servir como um sinal de alerta para que os gestores de segurança pública do Brasil olhem com atenção para os impactos da Covid-19 nas nossas forças de segurança. Planos contingenciais e estratégicos precisam ser criados e implementados, incluindo o desenvolvimento de protocolos de ação para as polícias, como aponta manifesto assinado por várias entidades da sociedade civil. É importante, ainda, que se estude o que o que as polícias dos demais países fizeram para quem se possa apreender com os acertos e erros de países que já passaram pela fase mais crítica da pandemia. O Brasil está se configurando como o novo epicentro global da Covid-19 e é fundamental que o cuidado com os policiais entre na agenda de nossos governantes com a construção e implementação de planos de ação fundamentos em evidências para dirimir os efeitos nocivos da pandemia em nossa segurança pública.


Rafael Alcadipani

Professor do departamento de administração da FGV EAESP e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Postagens mais antigas
Postagens mais recentes

Postar um comentário