Deputados do PSOL estão deixando o partido para "ludibriar" eleitores
Os deputados do PSOL estão deixando o partido.
Primeiro foi Marcelo Freixo, que foi para o PSB
Marcelo Freixo |
Agora é David Miranda, que foi para o PDT. Neste ano, eles vão tentar enganar eleitores por não estarem mais no PSOL, mas continuam sendo extremistas de esquerda
David Miranda
Foto: Najara Araújo/Câmara dos Deputados
Inicio esta carta agradecendo ao PSOL, em especial aos companheiros do MES (Movimento Esquerda Socialista), na figura de Luciana Genro e das minhas amigas Deputadas Fernanda Melchionna, Sâmia Bomfim e Vivi Reis. Minha profunda gratidão pela troca nesses anos tão intensos e decisivos da vida política nacional. É um orgulho ter feito parte da nossa história comum. Semeamos para o futuro e é com essa certeza que deixo meu abraço fraterno aos militantes incansáveis dessa jornada que logo encerro para começar outra.
A minha saída do PSOL – que será efetivada em março –, não significa uma ruptura com os atuais companheiros de luta – que continuo considerando aliados -, nem um afastamento dos valores que me levaram ao partido anos atrás. Pelo contrário, em diversos sentidos representa um retorno aos valores que me motivaram a entrar para a política, e uma oportunidade de renovação e radicalização deles.
Reconheço no PDT diversos valores históricos e atuais fundamentais para a reconstrução do Brasil, em especial os ideais trabalhistas e o legado de Leonel Brizola. Mas minha para o PDT em breve, não significa que concordo com todas as votações recentes da bancada do partido no Congresso. Nenhum partido político é perfeito, mas o PSOL, a meu ver, corre o risco neste momento de sacrificar a sua essência para se tornar um braço leal de um partido e ideologia a que foi criado para se opor.
Brizola é reconhecidamente uma das maiores, senão a maior, liderança política que o Brasil já conheceu. A revolução educacional que promoveu junto com Darcy Ribeiro é até hoje considerada o maior projeto do setor já visto no país. Seus Centros Integrados de Educação Pública (CIEP) deram oportunidade de ensino de qualidade, além de acesso à alimentação, saúde e lazer, para milhões de crianças pobres no RS e no RJ. Eu fui uma dessas crianças. Estudei no CIEP Vinícius de Moraes – na entrada da favela do Jacarezinho onde nasci – e sou fruto da emancipação que de fato somente a educação pode promover.
Minha forma de entender e fazer política sempre foi e sempre será informada muito mais por experiências vividas do que por teorias. Cresci em uma favela, me tornei órfão aos cinco anos de idade de uma mãe que precisou fazer qualquer coisa só para sustentar os filhos e que morreu em decorrência de um câncer provocado por violência obstétrica durante o parto. Nunca conheci meu pai, dormi na rua e passei fome quando saí de casa em algumas ocasiões, apesar de ter recebido acolhimento de minha tia que havia perdido o marido. Essa é e sempre será minha principal formação política.
Não sou uma pessoa que entrou na política como subproduto de uma máquina partidária, de uma dinastia familiar, ou com dogma rígido, nem com a intenção de ser servo sem críticas de qualquer governo. Sempre fui e ainda sou um político da militância, fazendo política em conjunto com ativistas como iguais, e com um objetivo principal: melhorar materialmente a vida de todos e principalmente daqueles como as pessoas com quem cresci e outros tantos milhões que têm histórias semelhantes à minha e de minha família: os mais marginalizados do nosso país.
Além de construir escolas em nossas comunidades, durante suas duas gestões como governador do estado Brizola ainda defendeu os direitos humanos das populações mais pobres, proibindo a polícia de dar cobertura a ações de despejo ou reintegração de posse nas favelas, bem como de realizar operações violentas e autoritárias nesses territórios. Isso, para mim, é a política e o legado da Brizola.
É para renovar e atualizar esse legado histórico em toda sua radicalidade e promover uma síntese entre ele e as lutas atuais que somente um homem negro, favelado, LGBT pode representar, que escolhi ir para o PDT.
Acredito que é o partido de esquerda mais bem posicionado para superar a polarização atual, pois é o único com um candidato à Presidência com um projeto para o Brasil que não depende de pactos com aqueles que sempre foram e continuam sendo inimigos do povo. Compartilho com Ciro Gomes a visão de um plano nacional de desenvolvimento socioeconômico que tenha como bases a reforma tributária e a taxação de fortunas, o acesso a ampla educação de qualidade e a geração de trabalho e renda para todos os brasileiros, sobretudo os mais pobres.
Estas são também estratégias de Rodrigo Neves para o combate à violência na cidade do Rio, a partir do entendimento acertado de que tráfico e milícias são as consequências e não causas da crise que assola nosso estado. Assim como Brizola, Neves e eu também entendemos a violência como fruto da falta de educação e emprego, e compartilhamos o sonho de ver nosso estado voltando a ter a posição de destaque que merece no cenário nacional e todas nossas crianças estudando em período integral.
Nos próximos meses apresentarei contribuições aos programas de governo federal e estadual para o combate à fome e à violência, defesa dos direitos humanos e da diversidade, promoção da educação e da cultura, proteção ao meio ambiente e aos animais. Essas contribuições serão construídas de forma participativa com os movimentos sociais que já me acompanham, e agora também com os diversos movimentos internos do PDT, com os quais desejo andar de mãos dadas, sem esquecer a militância espontânea que se organiza em torno de Ciro, do PND, do trabalhismo.
Entre os novos companheiros de partido espero encontrar aliados para propostas pragmáticas necessárias para promover melhorias imediatas na vida dos mais necessitados – sem no entanto abrir mão da luta de longo prazo por mudanças sistêmicas. Quem tem fome ou quem está no meio do fogo cruzado entre polícia e crime organizado, tem pressa e a vida de todas as pessoas deve sempre ser mais importante que qualquer disputa ideológica.
Apesar da origem humilde, eu não dependo da política para viver, e por isso posso seguir minhas convicções. Não me interessa uma atuação política pautada unicamente por dogmas, por um purismo ideológico ou um identitarismo elitista descolado da realidade material dos mais pobres. As pautas identitárias são e sempre serão centrais na minha própria identidade e atuação política, mas o seu descolamento da luta de classes, sua absorção pela lógica neoliberal têm levado ao acirramento das diferenças entre grupos oprimidos, em vez da construção de um projeto coletivo de libertação.
O fazer político dentro de uma democracia exige o diálogo justamente com aqueles que pensam diferente, sobretudo em épocas de grandes retrocessos como a que enfrentamos agora. Mas parte da esquerda brasileira parece ter esquecido desta premissa básica e ter se tornado refém da lógica do cancelamento que predomina nos ambientes digitais, levando essa lógica para dentro da atuação política.
Nem o fato de eu dialogar pontualmente com representantes de campos ideológicos diferentes para avançar projetos de lei importantes para os mais necessitados que de outra forma não seriam aprovados, nem o fato de oferecer oposição ao PT e a Lula me tornam menos de esquerda. A defesa da pluralidade política, do devido processo legal e do direito de oposição sempre foram valores de esquerda.
Vale lembrar que foi meu marido, Glenn Greenwald, quem liderou a série investigativa Vaza Jato que expôs a ilegalidade e abusos do judiciário na prisão de Lula, que eventualmente culminaram em sua absolvição. Como foi o caso da reportagem de Snowden – quando fui detido e ameaçado de processo pelo governo britânico em 2013 – Glenn e eu trabalhamos juntos e nos apoiamos para essa reportagem, com nossas vidas derrubadas com constantes ameaças e pressões. Essas são as batalhas em que acreditamos.
Entretanto, dialogar com os que pensam diferente não significa deixar de assumir um posicionamento firme em defesa dos mais oprimidos, e muito menos voltar a fazer pacto com a grande burguesia e seus representantes para vencer as eleições no primeiro turno. Tampouco significa usar da fragilidade do momento atual para articular uma federalização que na prática significará a homogeneização da esquerda pela máquina petista.
O PSOL nasceu em 2003 de uma dissidência do PT, quando quatro parlamentares petistas foram expulsos por se recusarem a seguir orientação partidária e votar a favor da reforma da previdência – projeto tradicionalmente rejeitado pelo partido e contrário aos interesses do povo. Por isso sempre defendi uma candidatura própria do PSOL à Presidência no primeiro turno, para que tivéssemos condições de apresentar um programa alternativo ao do PT, e disputar ideologicamente sua hegemonia dentro da esquerda.
Não é hora de se submeter obedientemente ao PT e aceitar covardemente que um retorno ao passado é o melhor que podemos fazer pelo Brasil neste momento. É hora de ter coragem. E caso Lula venha a ser eleito, acredito ser ainda mais importante e necessária a articulação de uma oposição ao governo dentro do campo da esquerda. A oposição é do jogo democrático e não podemos deixá-la a cargo somente da direita sob o risco de continuarmos alimentando a mesma polarização atual.
Com Ciro e com os novos companheiros do PDT em breve poderei construir um projeto de desenvolvimento econômico pautado pelo desenvolvimento humano, pois “desenvolvimento sem educação é criação de riquezas apenas para alguns privilegiados“, já dizia Brizola.
A herança brizolista tem profundo significado afetivo em minha trajetória pessoal, pois tenho certeza que eu jamais teria chegado aonde cheguei e me tornado Deputado Federal, não fosse o acesso à educação que tive com a construção do Brizolão na entrada da favela. A ida para o PDT representa portanto um retorno às minhas raízes, ao meu território de origem, à minha comunidade para a partir daí mobilizar uma nova inteligência e imaginação políticas capazes de produzir um novo futuro para o Rio de Janeiro e para o Brasil.
É com esse sentimento de renovação e construção de futuro que eu irei para o PDT. Para renovar meu compromisso comigo mesmo e com os meus. Mas também para renovar o compromisso do partido com seu próprio legado histórico.
Eu, homem negro, LGBT, cria do Jacarezinho, pai e marido, me considero herdeiro de Brizola. Não por carregar seu sobrenome, mas por ser o resultado direto da revolução educacional e da defesa dos direitos dos pobres e favelados que ele promoveu. Nada mais simbólico que uma criança beneficiada por sua visão de mundo no passado seja agora um dos agentes de mudança a levar esse legado para o futuro.
Brizola vive! Ele vive em mim e em todas as crianças emancipadas por sua revolução educacional.
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