24 C
pt-BR

Decreto de Lewandowski e o perigo da centralização federal da Segurança Pública



Autor: TENENTE-CORONEL AGUIAR


Por: Luiz Fernando Ramos Aguiar


No último dia 11, o ministro da Justiça enviou à Casa Civil um decreto para normatizar o uso da força policial e a aplicação de equipamentos não letais por policiais de todo o Brasil.[1] A medida ignora a Constituição, que estabelece, no parágrafo 6º do artigo 144, que as forças policiais estão subordinadas aos governadores dos estados. Além disso, a confecção do documento subestima toda a complexidade das dinâmicas criminosas, que impõem realidades e desafios distintos e específicos a cada região do país. Apesar dos empecilhos legais e lógicos, o ministro decidiu que possui competência suficiente para resolver, com uma única canetada, todos os problemas relacionados à atuação das forças de segurança no território nacional.


Um dos principais erros dos governos de esquerda é a escolha pela centralização. O argumento utilizado para justificar essa opção é o lema maroto de que “problemas globais exigem soluções globais”. Embora essa ideia possa aparentar algum sentido para os mais desavisados, trata-se, na verdade, de um convite ao autoritarismo e à burocracia.
Ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski.


No campo da segurança, essa armadilha continua sempre presente, especialmente diante do crescimento das organizações criminosas e do enfraquecimento do Estado. Entretanto, delegar a solução de problemas locais aos burocratas de Brasília é como confiar a realização de uma cirurgia cerebral a um médico que apenas orienta outro por telefone. Ou seja, alguém distante da situação, que não enxerga diretamente o problema, está alheio aos riscos e toma decisões de vida ou morte para uma realidade que ele conhece apenas de ouvir falar.


Para garantir que as regras sejam impossíveis de serem ignoradas pelos estados, o decreto do ministro Ricardo Lewandowski vincula a liberação de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública e do Fundo Penitenciário Nacional ao cumprimento das diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Justiça, afetando especialmente os estados mais pobres.


Aliás, este é um problema que se manifesta em diversas esferas da administração pública: soluções elaboradas nos gabinetes e palácios de Brasília acabam sendo de aplicação obrigatória para estados e municípios. O resultado são obras que não trazem benefícios para a população ou que nunca são concluídas. Além disso, cria-se uma burocracia monstruosa para a obtenção de recursos federais, os quais seriam muito melhor aproveitados caso, em vez de serem repassados ao governo federal, fossem aplicados diretamente nos locais onde foram arrecadados.


Uma das principais propostas do novo decreto é o estabelecimento de treinamentos obrigatórios para os profissionais de segurança pública, com o objetivo de garantir a adoção das diretrizes formuladas sobre o uso da força. De acordo com o ministro, o propósito das medidas seria promover uma abordagem policial mais consciente e equilibrada, assegurando que as armas de fogo sejam utilizadas apenas como último recurso.


Talvez o ministro desconheça, mas a capacitação para o uso progressivo da força tem sido uma prioridade nas forças policiais há muitos anos. Isso se reflete nos números: para se ter uma ideia, apenas as polícias militares chegam a atender centenas de milhares de ocorrências diariamente em todo o país. Apesar do grande destaque midiático dado às ações em que as forças policiais atuaram de forma abusiva ou incorreta, esses casos representam uma fração mínima do total de atendimentos realizados.


Além disso, no serviço público, nenhum outro órgão demite ou expulsa tantos servidores por desvios profissionais quanto as polícias militares. Para exemplificar, a Polícia Militar do Estado da Bahia retirou de suas fileiras 397 policiais entre os anos de 2011 e 2020.[2] Desafio o leitor a encontrar qualquer outro órgão, de qualquer esfera de governo, que tenha uma postura tão dura no combate aos desvios de conduta de seus funcionários.


Também é fundamental ressaltar que, ao contrário do que a mídia e algumas organizações de direitos humanos frequentemente insinuam, nenhum policial entra em serviço ansiando por usar sua arma. Os profissionais de segurança pública não são assassinos em potencial, aguardando uma oportunidade para atirar em alguém.


Na realidade, sempre que um policial precisa recorrer ao uso da força letal, ele coloca sua própria vida em risco, já que nunca está imune a uma reação bem-sucedida de seu oponente. Além de sua segurança pessoal, o uso de uma arma também coloca em risco sua carreira e seu emprego, considerando que, no Brasil, a justiça não tem tradição em respaldar o exercício da força letal em ações judiciais.


Mesmo em situações claras de necessidade do uso da arma, é comum que os policiais enfrentem longos processos, não apenas nos tribunais, mas também nas corregedorias.


Mas o principal problema do decreto é transferir para o governo central decisões que deveriam ser tomadas nos níveis estadual e municipal. Primeiro, porque as quadrilhas e facções, mesmo aquelas com atuação nacional, não tomam decisões centralizadas. Pelo contrário, os líderes criminosos regionais possuem autonomia para estabelecer estratégias e ações compatíveis com as realidades locais onde operam, o que torna suas operações mais ágeis e eficazes.


Muito mais relevante do que concentrar o direcionamento das forças policiais na esfera federal seria criar mecanismos de compartilhamento de informações e promover operações integradas entre as diversas corporações policiais do país.


Além disso, até mesmo as abordagens policiais não podem ser realizadas seguindo protocolos uniformizados em todo o Brasil, como se a realidade do país fosse homogênea. Como as abordagens realizadas em uma comunidade do Rio de Janeiro, dominada por uma milícia, poderiam adotar os mesmos protocolos que aquelas realizadas em uma comunidade indígena no Amazonas?


Os riscos, as condições ambientais, o contexto social, a cultura e o relacionamento da população com a polícia seguem padrões completamente diferentes nessas regiões. As corporações realizam um intenso trabalho de estudo, pesquisa e treinamento para criar procedimentos policiais que, ao mesmo tempo em que estejam de acordo com a legislação, garantam segurança operacional aos policiais, proporcionem tratamento adequado e digno às pessoas abordadas e assegurem eficiência às operações policiais.


Determinar esses procedimentos a partir de um confortável e aconchegante gabinete em Brasília, por ação de teóricos e burocratas, é uma receita para o fracasso operacional das forças policiais. Porém, o verdadeiro perigo de medidas dessa natureza é o aumento do poder do governo central sobre as forças policiais, o que pode se tornar uma tentação autoritária ao utilizar o poder coercitivo para alcançar objetivos políticos, usurpando a autonomia dos governadores.


Vamos torcer para que o bom senso se apodere do presidente para que ele não tome a iniciativa de assinar esse decreto.


[1] Lewandowski envia à Casa Civil decreto que regulamenta uso da força por policiais – https://www.cnnbrasil.com.br/politica/lewandowski-envia-a-casa-civil-decreto-que-regulamenta-uso-da-forca-por-policiais/

[2]Quase 400 policiais militares são expulsos da corporação na BA nos últimos 10 anos – https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2021/10/22/quase-400-policiais-militares-sao-expulsos-da-corporacao-na-ba-nos-ultimos-nove-anos.ghtml
Postagens mais antigas
Postagens mais recentes

Postar um comentário