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Desencarceramento: A Verdadeira Agenda por Trás das Audiências de Custódia


Por Luiz Fernando Ramos Aguiar
Uma das maiores mazelas da segurança pública no Brasil atualmente são as chamadas audiências de custódia, implementadas sob a alegação de cumprir determinações do Pacto de San José da Costa Rica. No entanto, as evidências sugerem que essa motivação foi apenas uma desculpa para colocar em prática mais uma manobra de ampliação das políticas de desencarceramento. Para comprovar essa hipótese, basta observar com atenção os principais atores responsáveis pela medida, seus interesses, orientações ideológicas e os resultados obtidos desde sua implementação.

Apesar de o artigo 7º do Pacto de San José da Costa Rica estabelecer a necessidade de que qualquer pessoa presa tenha o direito de ser levada, sem demora, à presença de uma autoridade judicial, o documento não determina que, nesse momento, sejam analisadas apenas as circunstâncias da prisão ou possíveis abusos e violência policial. Na verdade, o direito assegurado pelo acordo é a garantia de que a pessoa presa seja julgada dentro de um prazo razoável ou, então, posta em liberdade. Como podemos conferir no nº 5 do artigo 7º:
“Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.”

Mas a partir de 2015, depois da edição da Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nº 213/2015, as audiências de custódia tornaram-se obrigatórias e com três objetivos específicos:
1. Garantir o controle da legalidade das prisões;
2. Evitar abusos e torturas durante o ato das prisões ou no período de detenção;
3. Analisar a necessidade de manutenção da prisão preventiva, promovendo alternativas penais quando possível.
Ou seja, mesmo que o criminoso seja levado à presença de uma autoridade judicial, muitas vezes poucas horas após sua prisão em flagrante, com todos os elementos essenciais para o início da ação penal — como os policiais que efetuaram a prisão, a vítima, os elementos materiais do crime e até testemunhas —, o único objetivo das audiências é verificar se as autoridades responsáveis pela detenção cumpriram todas as normas, zelando exclusivamente pelo bem-estar e pelos direitos do criminoso. Durante esse processo, o Judiciário ignora as vítimas, os policiais e escolhe deliberadamente proteger apenas o criminoso.
É muto provável que o direcionamento tenha sido adotado pelas pressões políticas que deram origem a medida, já que as principais forças envolvidas no processo tenham um conhecido histórico de preconceito e atuação contra as forças policiais. Muitas Organizações Não Governamentais tiveram um papel ativo e relevante na promoção das audiências de custódia, fundamentalmente aquelas que se apresentam como comprometidas na defesa dos direitos humanos, entre elas:
Conectas Direitos Humanos
Para se ter uma ideia do tipo de pensamento que está organização tem sobre as forças policiais destaco um trecho do II Relatório de Monitoramento de Violação de Direitos Humanos na Baixada Santista Durante a Segunda Fase da Operação Escudo:
As operações vinganças e o suicídio de policiais se intensificaram em São Paulo a partir da gestão do ex-Secretário de Segurança Pública Guilherme Deritte, ex-oficial da ROTA, que, com o aval do atual governador, Tarcísio de Freitas, tem mobilizado os trabalhadores da segurança pública do Estado de São Paulo para executar uma política de morte e de desrespeito aos direitos fundamentais.
Em uma reportagem que tratava das ações da entidade no ano de 2024 o site da organização destaca a fala de Camila Asano, diretora executiva da Conactas:
“As forças de segurança sempre tiveram problemas estruturais, mas em 2024 vimos um grande incentivo de autoridades do governo estadual à violência praticada por agentes públicos. Essa investida institucional contra os direitos fundamentais exigiu uma atuação forte da Conectas e de outras organizações no sistema de justiça, no Congresso e em fóruns globais, como a ONU.” Em outra reportagem a ONG ao informar seu público que estava entrando com novo recurso judicial, contra as mortes ocorridas em maio de 2006, ocorridas após a reação das forças policiais em razão do Primeiro Comando da Capital (PCC), ter articulado rebeliões em 74 penitenciárias do estado de São Paulo, quando a Secretaria de Administração Penitenciária decidiu pela transferência de 756 presos para a penitenciária 2 de Presidente Venceslau. Na ocasião, os membros das forças de segurança foram transformados em alvos pela facção, resultando na morte de 43 policiais. O Conectas estabelece a seguinte tese sobre as mortes ocorridas quando a polícia retomou o controle do estado:
“Conexão com racismo estrutural: Enfatizam que os Crimes de Maio são exemplo de violência estrutural do Estado direcionada contra populações vulneráveis, especialmente negras e periféricas, evidenciando um padrão de genocídio.”
Para o Conectas profissionais de segurança pública estão executando de bom grado uma política de morte e de desrespeito aos direitos fundamentais, incentivada pelas autoridades dos governos estaduais visando principalmente populações vulneráveis, evidenciando um padrão genocida.
Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)
O IDDD tem uma longa história de defesa das políticas de desencarceramento, desde de 2011 defende, no Congresso Nacional e nas instituições do sistema judiciário, a criação das audiências de custódia. E a partir de 2015, quando foi estabelecida a portaria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que determinou o procedimento, realizou um convênio com Ministério da Justiça e com próprio CNJ para acompanhar a implementação do novo instituto.
Em relatório produzido pela instituição no acompanhamento das audiências de custódia no estado de São Paulo, eles chegam a apontar como um dos principais problemas da liturgia das seções seria a manutenção de algemas nos acusados. Mas nenhuma menção é feita às vítimas dessas pobres almas algemadas.
Em matéria publicada no site da instituição, o Conectas defende o redirecionamento da atuação das forças policiais paulistas, argumentando que estas priorizam a prisão em flagrante de criminosos em detrimento de práticas preventivas. O preconceito contra os profissionais de segurança pública é tão evidente que o texto menciona, literalmente, que a “sede de sangue” teria aumentado, ao comentar as mortes, A organização atribui esses números à falta de controle sobre o uso da força e à ausência de apuração das circunstâncias das mortes, ignorando o fato de que a polícia paulista possui uma das corregedorias mais rigorosas do país.
Entre 2010 e 2020, a Polícia Civil do estado expulsou 956 policiais. Em 2019, entre os meses de janeiro e outubro, a Polícia Militar demitiu ou expulsou 136 policiais. Além disso, uma matéria publicada em 2015 revelou que, de janeiro de 2005 a julho de 2015, 1.650 policiais militares de São Paulo foram exonerados, de acordo com dados da corregedoria da corporação, divulgados pelo site Ponte Jornalismo. Esses números demonstram que existe uma ação enérgica no sentido de punir policiais com comportamentos desviantes.
Instituto Sou da Paz
Conhecido pelo seu trabalho em prol do desarmamento da população civil, o Instituto Sou da Paz também participou ativamente do processo de implementação das audiências de custódia. Em 2016, como parte da Rede de Justiça Criminal — um coletivo de organizações dedicadas à promoção e defesa de direitos no contexto do sistema de justiça criminal —, o instituto publicou uma nota pública em apoio ao PLS 554/2011, que instituía o novo procedimento.
O instituto também manifesta seu preconceito contra policiais e militares quando publica, notícias próprias e de outras instituições, falado sobre a ameaça representada pelo crescimento da representação política decorrente da eleição de membros das forças de segurança. Chegaram até a cunhar um termo para o fenômeno, policialismo. Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, em uma dessas matérias comenta que esses candidatos “se baseiam mais na violência policial que no planejamento para a segurança pública”. Eles também reportam como uma ameaça a ocupação de cargos no executivo, por policiais, como secretarias municipais e estaduais de segurança pública. Ou seja, o instituto não enxerga os profissionais de segurança como pessoas com capacidade técnica para desenvolver políticas públicas, mas como personagens truculentos e estereotipados que só podem manifestar posturas violentas e corporativistas. Chegando a relacionar a eleição de policiais com o aumento da violência criminal:

“A eleição de vereadores com uma narrativa beligerante, cujo discurso é voltado para a ideia de “lei e ordem” ou “bandido bom é bandido morto”, tem como efeito causal o aumento na taxa de homicídios, disse ao Nexo o economista Lucas Martins Novaes, doutor em Ciência Política pela Universidade da Califórnia e professor associado do Insper. “

Não foram apenas essas organizações que militaram ativamente para a implementação desse instituto temerário, pelo menos na forma como foi instituído no país. Todas elas compartilham o mesmo guarda-chuva ideológico e mantêm, com pequenas variações, posicionamentos semelhantes em relação às forças de segurança e às políticas de desencarceramento. Entre elas, destacam-se: Pastoral Carcerária Nacional, Justiça Global, Human Rights Watch, Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), Associação para a Prevenção da Tortura (APT) e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).
Essas ONGs desempenharam um papel relevante não apenas na implementação das audiências de custódia, mas também no monitoramento de sua aplicação. Elas continuam ativamente envolvidas no fortalecimento desse procedimento.
Resultados das audiências de custódia

Segundo o princípio bíblico a melhor forma de avaliar a efetividade de qualquer atitude ou procedimento e através dos resultados apresentados, “Pelos seus frutos os conhecereis”. Assim vamos conferir quais foram as principais “conquistas” resultantes das audiências de custódia.
A quantidade de presos em flagrante delito liberados nas audiências de custódia demonstra uma leniência penal adotada pelo judiciário brasileiro, beneficiando um grande número de criminosos. Mais de 40% dos presos em flagrante são liberados em média nas audiências. Mas existem estados onde a situação é ainda mais alarmante, como a Bahia, que libera mais de 57% dos detidos, ou seja, para cada 10 presos em flagrante delito, 6 são liberados. Conforme os dados estatísticos do CNJ, desde sua implantação em 2015, foram realizadas 1.614.449 audiências de custódia no país, onde 639.823 pessoas foram liberadas e 970.020 pessoas permaneceram presas preventivamente (dados de 07/05/2024).
A grande conquista das audiências de custódia, comemorada por setores do Judiciário e pelas ONGs, é a redução da população carcerária. Estima-se que a taxa de presos provisórios tenha caído de 40,13% em 2015 para 26,48% em 2022. O problema, porém, é que essa redução não está associada a uma diminuição das taxas de reincidência, a melhorias no sistema carcerário ou à redução das taxas criminais. Esse desafogamento dos presídios resulta essencialmente da liberação de criminosos, o que pode ser muito benéfico para eles, mas tem um efeito inverso para a sociedade.
O histórico das audiências de custódia também registra casos absurdos, como o de um homem preso em flagrante enquanto transportava um fuzil e cem munições, mas que acabou sendo liberado. De acordo com a juíza responsável pela audiência, embora se tratasse de um delito grave, o custodiado possuía bons antecedentes e não representava um perigo real para a ordem pública. Se o transporte de uma arma de guerra não é suficiente para que um criminoso seja mantido preso, qual tipo de crime precisa ser praticado para que se entenda a necessidade da manutenção de um criminoso preso para proteção da sociedade e garantia do bom andamento do processo?

Conclusão

A adoção das audiências de custódia nunca teve como objetivo principal a proteção dos direitos das pessoas presas ou o cumprimento dos tratados internacionais assinados pelo Brasil. Na realidade, o mecanismo foi implementado sob pressão de ONGs, setores do Judiciário, da academia e da imprensa, comprometidos com a ideologia do desencarceramento. Compreendendo a resistência da sociedade em adotar medidas lenientes no campo penal, essas entidades transformaram o Pacto de San José na desculpa perfeita para estabelecer o mecanismo, utilizando-o como uma forma de potencializar suas ações em prol do abolicionismo penal, ainda que de maneira indireta.
Embora essas ONGs insistam em argumentar que estão comprometidas com os direitos de defesa dos presos e com suas condições no cárcere, elas frequentemente bloqueiam iniciativas voltadas ao aumento de vagas no sistema prisional. Essa postura perpetua os números da superlotação e mantém vivo o argumento que justifica o avanço das políticas de desencarceramento.
Na verdade, a existência das audiências de custódia, nos moldes da legislação brasileira, é uma clara demonstração de impunidade, estimulando a reincidência e agravando ainda mais o já caótico quadro da segurança pública no país. Trata-se de uma afronta à população, que é obrigada a conviver com a violência criminal, o domínio de áreas pelo crime organizado e a fragilidade da proteção estatal à propriedade privada.
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