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Liberdade Para Brazão, Morte Para Cleriston: O Paradoxo Mortal do STF




Autor: TENENTE-CORONEL AGUIAR

POR: LUIZ FERNANDO RAMOS AGUIAR

Os réus deveriam ser julgados de acordo com o comportamento praticado, sob a medida da balança da lei. Por isso mesmo, é comum vermos nos tribunais a representação da deusa da justiça, Dike, vendada, com uma balança em uma das mãos e uma espada na outra — simbolizando a imparcialidade e a autoridade dos tribunais. Ou, pelo menos, deveria ser assim.

Mas, atualmente, no Brasil, alguns magistrados parecem ter se esquecido de Dike, convertendo-se em seguidores de Adikia (Adícia), o espírito personificado da injustiça e da transgressão. Retratada como uma mulher feia e bárbara, com a pele tatuada — e, por vezes, sendo espancada por sua oposta, Dike — trata-se de uma figura que evidencia a total incompatibilidade de coexistência entre as duas divindades e a oposição de suas essências.
Dike espancando Adikia, com um martelo. Imagem em uma ânfora ateniense do Sec. VI A. C.

O conflito entre essas duas representações mitológicas nunca esteve tão evidente em nossas cortes quanto no paradoxo recentemente criado pelos nossos supremos ministros da República, ao colocarem em liberdade o deputado Chiquinho Brazão, acusado de ser um dos mandantes da execução da vereadora Marielle Franco.
Marielle Franco

O parlamentar havia sido preso preventivamente em março de 2024, por decisão do STF, após a delação do executor confesso do crime, Ronnie Lessa. E foi colocado em liberdade sob a alegação de que apresentava condições médicas que não poderiam ser tratadas dentro do ambiente penitenciário. A decisão foi tomada mesmo com parecer contrário da Procuradoria-Geral da República, que afirmou que o tratamento necessário estava sendo garantido dentro da prisão federal e que a conversão para prisão domiciliar não tinha respaldo legal, já que as comorbidades eram anteriores à prisão.


Ainda assim, o ministro Alexandre de Moraes autorizou que ele deixasse a prisão federal em Campo Grande e fosse para casa cumprir prisão domiciliar. Moraes considerou o risco de “mal súbito com possibilidade elevada de morte” e concedeu o benefício como medida humanitária.

Poderia se tratar de mais uma decisão controversa da Corte, se alguns meses antes outro preso provisório não tivesse acabado morto — justamente por ter um pedido muito semelhante negado pela mesma autoridade suprema.

O homem que morreu dentro da masmorra chamava-se Cleriston Pereira da Cunha, empresário de Brasília, 46 anos, réu primário e pai de duas filhas. Foi preso por suposta participação nos atos de 8 de janeiro. Não tinha antecedentes criminais, possuía endereço fixo e era o único provedor da família.

Desde o início da prisão, em janeiro de 2023, sua defesa alertava sobre os graves problemas de saúde que enfrentava. Cleriston sofria de vasculite, miosite pós-Covid, hipertensão, diabetes e complicações cardíacas severas. A defesa apresentou laudos médicos atestando a necessidade de medicação diária, sob risco de morte súbita.
Cleriston Pereira da Cunha

Ao contrário do que ocorreu com o deputado, o Ministério Público Federal concordou com a soltura de Cleriston. Em setembro de 2023, deu parecer favorável à concessão de liberdade provisória. No entanto, o pedido ficou esquecido nas gavetas autocráticas por mais de 80 dias, sem qualquer análise. O ministro Alexandre de Moraes simplesmente ignorou. O resultado foi a morte de Cleriston, por mal súbito, durante o banho de sol na Papuda.

Apesar da decisão final sobre os dois acusados ter sido tomada por Moraes, não podemos deixar de constatar a total indiferença dos demais membros da Corte — principalmente em relação a Cleriston. O acusado chegou a impetrar um habeas corpus, que foi negado pelo ministro André Mendonça com base em uma súmula interna do STF, que proíbe um ministro de rever decisões de outro. Ou seja, neste caso, não houve qualquer preocupação humanitária.

A benevolência dedicada a um deputado acusado de envolvimento na execução de uma proeminente liderança da esquerda brasileira foi negada a um cidadão quase anônimo. Ambos com o mesmo quadro de saúde, ambos com risco de morte — mas o político obteve a misericórdia humanitária, enquanto o cidadão foi esquecido no cárcere, para morrer.

O paradoxo se torna evidente: a mesma Corte que garantiu liberdade a um réu acusado de mandar matar uma vereadora foi a responsável direta pela morte de um preso que apenas precisava de tratamento médico. Como situações tão similares podem ser tratadas de forma tão antagônica pelas mesmas autoridades? Por que a preservação da vida de um político, envolvido em um crime brutal, merece mais misericórdia do que a de um cidadão comum, envolvido em uma manifestação que acabou saindo do controle?


Na verdade, sequer podemos responder a essas questões com uma análise técnica adequada. Afinal, na atual democracia relativa brasileira, qualquer crítica a determinadas autoridades públicas ou a instituições pode ser interpretada como um ataque antidemocrático — o que pode levar autores, como este, a inquéritos intermináveis, medidas restritivas heterodoxas e, em alguns casos, ao recolhimento nos calabouços da República Popular Democrática do Brasil.
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